sexta-feira, novembro 23, 2007

cOnTiGo

Excerto de um dos textos mais bonitos que li...
"A estrada ia entre campos e ao longe, às vezes, viam-se serras. Era o princípio de Setembro e a manhã estendia-se através da terra, vasta de luz e plenitude. Todas as coisas pareciam acesas.

E, dentro do carro que os levava, a mulher disse ao homem:
- É o meio da vida.
Através dos vidros, as coisas fugiam para trás. As casas, as pontes, as serras, as ladeias, as árvores e os rios fugiam e pareciam devorados sucessivamente. Era como se a própria estrada os engolisse.
Surgiu uma encruzilhada. Aí viraram à direita. E seguiram.
- Devemos estar a chegar - disse o homem.
E continuaram.
Árvores, campos, casas, pontes, serras, rios, fugiam para trás, escorregavam para longe.
A mulher olhou inquieta em sua volta e disse:
- Devemos estar enganados. Devemos ter vindo por um caminho errado.
- Deve ter sido na encruzilhada - disse o homem, parando o carro. - Virámos para o Poente, devíamos ter virado para o Nascente. agora temos de voltar até à encruzilhada.
A mulher inclinou a cabeça para trás e viu quando o Sol já subira no céu e como as coisas estavam a perder devagar a sua sombra. Viu também que o orvalho já secara nas ervas da beira da estrada.
- Vamos - disse ela.
O homem virou o volante, o carro deu meia volta na estrada e voltaram para trás.
A mulher, cansada, fechou um pouco os olhos e encostou a cabeça nas costas do banco e pôs-se a imaginar o lugar para onde iam. Era um lugar onde nunca tinham ido. Nem conheciam ninguém que lá estivesse estado. Só o conheciam do mapa e de nome. Dizia-se que era um lugar maravilhoso.
ela pensou que a casa devia ser silenciosa, cheia de paz e branca, rodeada de roseiras; e pensou que o jardim devia ser grande e verde, percorrido de murmúrios.
E alguém lhe tinha dito que no jardim passava um rio claro, brilhante, transparente. No fundo do rio via-se a areia e viam-se as pequenas pedras limpas e polidas. Nas margens crescia erva fina, misturada com trevo. E árvores de copa redonda, carregadas de frutos, cresciam nesse prado.
- Logo que chegarmos - disse ela -, vamos tomar banho no rio.
- Tomamos banho no rio e depois deitamo-nos a descansar na relva - disse o homem, sempre com os olhos fitos na estrada.
E ela imaginou com sede a água clara e fria em roda dos seus ombros , e imaginou a relva onde se deitariam os dois, lado a lado, à sombra das folhagens e dos frutos. Ali parariam. Ali haveria tempo para poisar os olhos nas coisas. Ali haveria tempo para tocar as coisas. Ali poderiam respirar devagar o perfume das roseiras. Ali tudo seria demora e presença. Ali haveria silêncio para dizer as graves e puras palavras pesadas de paz e alegria. Ali nada faltaria: o desejo seria estar ali."
Sophia de Mello Breyner in A Viagem

Ligação a cOnTiGo em www.simemusica.blogspot.com

3 comentários:

Boop disse...

Então?
e chegaram lá??????

;)

(é bom imaginar... mas é preciso concretizar alguns sonhos!)

sofia disse...

E depois??????
Aconteceu, foi assim???

Pedro Branco disse...

O encontro. Sempre o encontro. Em-com-o-outro. Encontro.